De extraordinário a vulgar: uma história sobre o KFC na China

De extraordinário a vulgar: uma história sobre o KFC na China

Por Li Peichun

Quando algumas colegas da minha antiga universidade vieram a Pequim na semana passada, nós planeámos fazer o mesmo que fazíamos quando nos reuníamos: Encontrar um restaurante decente, talvez até um pouco chique, onde pudéssemos tirar a barriga da miséria. Então nós rimos quando um de nós sugeriu o KFC, porque sabíamos que ela não estava a falar de um KFC qualquer.

Qianmen, que significa “Torre Frontal”, é como os Champs-Elysees em Paris. Fica a sul da praça de Tiananmen e está repleto de estabelecimentos culturais e comerciais. Depois de estacionarmos nas redondezas numa noite fresca de Dezembro, fomos caminhando em busca da loja que visitámos juntos há 30 anos. A loja aqui é semelhante a todos os outros KFCs, com exceção da porta, que é ladeada por tábuas de madeira de três metros de altura com a inscrição “12 de NOVEMBRO de 1987. PRIMEIRA LOJA NA CHINA” em inglês e em chinês, junto com a icónica imagem do Coronel Harland Sanders, o fundador da cadeia internacional.

Seria este realmente o sublime destino a que viemos há tantos anos? Todos tivemos as nossas dúvidas, incluindo eu próprio, e eu tenho vivido em Pequim todo o tempo desde que abriu. Mas um empregado atrás do balcão assegurou-nos de que a loja não se moveu. Percebemos que não era tão fácil de reconhecer devido aos muitos edifícios que surgiram ao seu redor, e o segundo e terceiro piso da loja tornaram-se numa Pizza Hut e num hotel. Mas uma vez que finalmente fizemos os nossos pedidos – o nosso colega Liang é um fanático pelo fitness e levou algum tempo até finalmente optar pelo peito de frango – e nos acomodamos numa cabine, não demorou muito para começarmos a nossa jornada pelas estradas da memória.

1.O autor (à esquerda) com as suas colegas Guan, Yin e Liang no KFC de Qianmen, em Pequim a 8 de Dezembro de 2018.

Foi manchete de notícias na China quando esta primeira loja de empreendimento conjunto entre a China e os Estados Unidos abriu. O embaixador dos Estados Unidos e funcionários de alto-escalão de Pequim foram convidados a cortar a faixa na cerimónia de inauguração. Uma performance de Yangko, uma dança de grupo tradicional para celebrar as colheitas, foi adicionada ao ambiente festivo. Havia tantos clientes a querer entrar na loja que a polícia teve de ajudar a manter as filas em ordem. As pessoas ficaram na fila por até duas horas para terem a chance de experimentar a novidade do fast-food americano.

O KFC estava longe de ser acessível para a maioria das pessoas na China naquela época. Um pedaço de frango custava dois yuan e meio, o que era um luxo quando o salário médio de um trabalhador público era de cerca de 100 yuan por mês. Mas as pessoas aglomeraram-se ali porque era um símbolo acessível do estilo de vida ocidental, o que era um grande apelo para pessoas ansiosas por aprender algo sobre o ocidente moderno e avançado. Por muitos anos, foi moda jantar em restaurantes de cadeias de fast-food estrangeiras. Algumas pessoas de Pequim chegaram mesmo a casar no terceiro andar daquela loja em Qianmen, porque era um local decente que lhes ficava bem socialmente.

Foi apenas alguns meses após a inauguração da loja em Qianmen que o meu professor de inglês, que estava em Pequim vindo dos Estados Unidos, convidou todos os 18 alunos da nossa turma para irem conhecer a “cultura americana”. Nós explodimos numa salva de palmas com a notícia. Eu nunca tinha considerado seriamente ir lá por mim próprio: ter-me-ia custado quatro dias do meu orçamento para alimentação!

Quando nos sentámos lá a comer o nosso frango no mesmo local trinta anos depois, tivemos vividas memórias dessa primeira visita na nossa mente. Recordámo-nos da longa fila e da espera de mais de uma hora para entrar. Yin, a minha colega de Cantão, que é hoje uma executiva de relações públicas de uma empresa automobilística chinesa, gostou tanto do frango frito que usou o pão para apanhar todos os minúsculos restos de massa crocante do fundo da caixa. Eu comi tudo o que havia para oferecer: frango, puré de batata, o pão, até a salada, que era um pouco doce para o meu gosto, mas eu comi tudo mesmo assim porque achei que era demasiado bom para ser desperdiçado.

“12 de Novembro de 1987. Primeira Loja na China” impressa numa tábua de madeira na parede do KFC em Qianmen em Pequim a 8 de Dezembro de 2018.

A nossa colega Guan, que é hoje professora numa universidade de Chicago, lembrou-se quando o seu pai visitou Pequim a trabalho e se ofereceu para levá-la a jantar fora. Guan não hesitou em sugerir o KFC. Naquela loja em Qianmen, o seu pai pediu uma refeição para ela, mas nada para si mesmo, dando a desculpa de que já teria comido. a Guan partilhou o sorriso que o seu pai teve enquanto a observava a devorar a refeição. “Mas acho que ele não tinha comido nada naquele dia”, disse Guan culposamente.

Estivemos a conversar tanto tempo que nos levou algum tempo a perceber que já eram quase onze da noite. Olhei em redor da loja silenciosa. Dois adolescentes numa outra mesa partilhavam uns auscultadores a ouvir algo num telemóvel. Acima deles estava um cartaz a anunciar que no ano de 2010, o KFC tinha 3000 pontos de venda na China. Agora, a cadeia tem já mais de 5300 lojas em mais de mil cidades e vilas.

Apesar do sucesso na abertura de novas lojas, ao longo dos anos a cadeia perdeu o seu brilho como um destino de luxo. Agora, é muito mais parecido com os outros restaurantes no bairro que oferecem fast-food barata, um local calmo fora do apartamento da família onde os estudantes podem se sentar e estudar, e um lugar onde os transeuntes entram para ir à casa de banho. Há 30 anos, a loja de Qianmen era um lugar especial, uma colmeia de atividade e barulho. Agora, parece afastada do bulício da área comercial que a rodeia.

Uma simples refeição do KFC costumava custar a um trabalhador médio quatro dias de trabalho, mas agora custa apenas um sétimo do seu salário diário. À medida que as pessoas da China foram ficando mais ricas, as suas papilas gustativas deixaram de ficar satisfeitas com o simples prazer do frango frito. Uma lista cada vez maior de escolhas alimentares está disponível, representando a culinária de diferentes países juntamente com diferentes regiões étnicas ou geográficas de toda a China. Uma curta caminhada ao longo da rua principal de Qianmen vai levá-lo a restaurantes italianos, alemães, espanhóis, mexicanos e japoneses, já para não mencionar os estabelecimentos que oferecem especialidades chinesas, como hotpot e Pato à Pequim.

E como a alimentação ocupa apenas uma pequena porção dos seus gastos, especialmente entre os moradores urbanos, as pessoas da China têm uma gama maior de formas de gastar o seu dinheiro, como comprar uma casa ou um carro, ir de férias na China ou para o exterior, ou enviar os seus filhos para estudar no exterior. Isto para não falar dos prazeres diários que costumamos tomar por garantidos hoje e que eram luxos extraordinários há algumas décadas, como ir ao ginásio, fazer uma massagem, ou ir ao cinema para assistir ao último sucesso de bilheteira de Hollywood.

O frango frito pode ter o mesmo sabor, mas as nossas escolhas e gostos mudaram.

Observação: Li Peichun é editor sénior do English Service da Rádio Internacional da China, Grupo de Media da China.

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